Surgiu um problema com certa marca de garrafas térmicas. A ampola estourava com facilidade logo nos primeiros usos, em um lote comercializado em Brasília. A fábrica despachou uma carga de ampolas para a reposição gratuita do item. Uma loja, vencedora de licitação pública, entregou mais de 100 garrafas só para a instituição pública licitante, fora as vendas no varejo, inclusive pela internet. Sorte e azar ao mesmo tempo. Pressionava o fornecedor pela rápida solução do problema pois, além do desgaste de imagem, havia previsão de multa na licitação.
A carga de ampolas chegou na distribuidora do SIA na sexta-feira, véspera de Natal, dia de pouco movimento na capital, ainda mais àquela hora, início da tarde. Como o último contato da loja fora nada amigável e o gerente da distribuidora, sabendo da carga em trânsito, fizera promessa de entregar ainda naquele dia, ele escalou o Nicão para a tarefa, orientando usar a van em vez do caminhão baú.
Taciane, uma das poucas a permanecer no estabelecimento, viu Nicão e o gerente Edson acomodando as caixas com as ampolas na parte de trás da van e foi até lá. Chegou alertando do perigo de transportar vidros naquele veículo, sugerindo fazer de baú.
– É uma entrega urgente, não dá pra perder tempo manobrando o baú na rampa. E a van é mais econômica – justificava Edson.
– Pois é aí que a tragédia acontece. Do Nicão não falo nada, mas você já foi da segurança do trabalho, Edson.
– Não vem com enchição de saco, ô “coisinha”! Qué entregar de baú vai tu, eu já tô é atrasado pra ceia – respondeu Nicão, sequer olhando para a colega.
– Calma, gente. É véspera de Natal. Tenham respeito pelo menos hoje – sugeriu Edson, também sem desviar a atenção da tarefa, a qual era finalizada segundos depois. – Vai de vagar que tudo vai dar certo pra todo mundo.
– É que não é você quem vai ouvir lá na loja, né – respondeu o motorista, batendo a porta da van e arrancando nada de vagar.
Edson voltou-se para Taciane a qual, naquele instante, baixava o celular. Os dois voltavam para o escritório comentando sobre o mal humor do motorista. Edson não se conteve e perguntou se a moça tinha filmado algo.
– Filmei sim! Se numa dessa dá merda quero tá resguardada. Ôxi!
– Acho que você poderia sem menos certinha às vezes. Não dá pra ser assim o tempo todo. Tem que ter alguma flexibilidade… – comentava Edson, sendo interrompido por uma ligação no celular.
Taciane foi deixando o chefe para trás, queria finalizar o expediente e fechar o escritório logo. Sentiu a mão de Edson a tocar-lhe no ombro, fazendo-a parar. Ele ainda falava ao celular.
– O SAMU já tá indo aí? Ah, beleza então! Já tô chegando.
– Deu merda, né? – constatou a moça, cuja face expressava algo entre espanto e triunfo.
Edson foi ao local do acidente, Taciane foi logo após concluir o fechamento. Durante o curto trajeto o sentimento era de preocupação com o colega e raiva por ele não ter dado ouvidos.
Chegando na tesourinha juntou-se a Edson. A cena em nada era impactante, a van simplesmente desceu o barranco quando Nicão perdeu o controle ao subir no meio-fio. O problema foi quando o veículo deu com o para-choque na rua de baixo, fazendo as ampolas voarem para a cabine. Uma ou outra escapou da caixa. Nicão sofreu cortes, mas nada grave, e os socorristas já iniciavam os primeiros cuidados. Um ferimento à frente da orelha direita ficaria marcada em forma de cicatriz pelo resto da vida, fazendo-o lembrar da “enchição de saco” de Taciene, cada vez que saísse para fazer uma entrega.
Brasília, 25/12/2021.