O meu sobrinho mais velho, o Cacau, foi uma grande novidade quando ainda residíamos todos com meus pais em Orleans. Seria a primeira vez que um bebê viveria sob o mesmo teto que eu. Isso porque a Mity e o Marcelo ficaram na casa de madeira, enquanto o resto da família foi para a casa nova, tudo no mesmo lote.
A gente ia acompanhando o crescimento do guri e era um bocado divertido testemunhar cada fato engraçado ou interessante decorrente de novas experiências a que as crianças estão sujeitas. Infelizmente, pra mim, a maioria desses fatos se deram na minha ausência. Uma pena mesmo, já que achava hilário assim que tomava conhecimento, normalmente pela Mity. Às vezes a narrativa vinha cheia de alegres adornos pela Nona, que seguidamente precisava parar para rir e tomar novo fôlego. Foi assim quando descreveu a cena da Mity ensinando o Ju, mais novo, a ler a palavra “mamãe”. Segundo ela, a Mity estava sentada junto à mesa na cozinha do apartamento, com o menorzinho no colo observando atento a um caderno ou folha com a dita palavra escrita. E ela insistia, perguntando ao Ju que palavra era aquela. Nesse instante, o Cacau ia passando ao lado. O Ju, aparentemente interessado na tal palavra, foi aproximando a cara no papel. A mamãe dele veio junto, sempre perguntando “o que está escrito, filho?”. Veio baixando, baixando junto com o Ju, ansiosa pela resposta. O Ju parou de se aproximar do papel e a Mity parou com o queixo logo acima da cabecinha dele. Mas pelo visto ele só estava de brincadeira e não ligava muito pra leitura, porque de repente se jogou pra trás acertando um belo gancho no queixo da mamãe, que de pronto gritou um sonoro “merda”.
Neste ponto, a Nona quase não conseguia continuar a história, porque se afinava de rir. E eu idem, pela graça da história e pela risada da mãe – duvido quem nunca riu da risada de alguém, mais do que da piada contada. E não acabou aí. Voltando à “merda”, o Ju parou e olhou pra Mity; o Cacau também parou e também olhou pra Mity. E ambos foram conferir no papel a tal palavra, porque nunca tinham visto como era escrito a palavra… “merda”. Instantes mais tarde, o Ju voltaria sozinho ao papel e leria corretamente: “mamãe”. A Mity, lá na sala, responderia: “Quié”.
Quando o Cacau ainda era filho único e morava com os pais na casa de madeira, ele protagonizou uma verdadeira peça, cuja crônica a Mity teve a responsabilidade de me relatar – óbvio, pois só estavam ela e o meu afilhado querido.
De novo, sei dizer quais as circunstâncias, o cenário, porque a Mity contou. Não tive a sorte de testemunhar o fato. Estavam os dois em casa quando o Cacau apareceu com um copão de vidro com um líquido rosa dentro, e fez o que crianças têm que fazer: oferecer para um adulto tomar.
“Bebe, mamãe”, pediu o inocente. Tendo cuidado na lida com a situação, ela buscou mostrar interesse na obra do filho e, no momento em que identificou o forte cheiro químico do conteúdo rosa – ela disse que parecia quissuco daqueles bem vagamundos – deduziu que não morreria se desse um golinho. De fato, era algo comestível e, curiosa, perguntou “que legal, o que é, filho?”.
A resposta veio de um quase garoto-propaganda: “É Pin”. Confusão na cachola da Mity, porque não tinha cheiro de desinfetante Pinho (e nem gosto, imagino), mas daqueles pós de suco que tingiriam um lençol pra nunca mais desbotar a cor. “Pin?”, perguntou minha mana. “É, mamãe. Pin”.
Acostumada a consultar uma vasta biblioteca de similaridades na memória para se comunicar com o filho, que ainda trocava vocábulos – na formatura da faculdade da Mity ele pediu um cadáver ao garçom, em vez do cardápio – desta vez não teve jeito, permanecendo o Pin sem sentido. E o diálogo foi-se alongando, a Mity insistindo em que raios de Pin era aquele, e o Cacau insistindo simplesmente que era Pin.
Não havendo outra solução, ela pediu que o menino a levasse até o Pin. Ele foi na frente e ela logo atrás, torcendo para que ele fosse na cozinha. Alívio, era na cozinha, mais precisamente na geladeira. Abriu a porta e apontou: “Alí, mamãe. Pin”. Mais um vocábulo para a biblioteca. “Filho, isso aí é Quick”. Um achocolatado que tinha também o sabor morango. Horrível, por sinal. “Ah, é… Quick”, confirmou o Cacau, fazendo aquele jeito de quem não tem obrigação de saber o nome exato de certas coisas.
Neste momento eu já dava risadas imaginando a cena. Mas o melhor estava por vir.
A Mity percebeu que, embora a cor da água estivesse explicada, a fonte da água era incógnita, vez que o guri não alcançava nenhuma torneira da casa. Temendo a resposta, perguntou onde ele tinha conseguido a água. A reposta, que nojo! “Do vaso”.
É perfeitamente compreensível os gritos que vieram a seguir, repreendendo o Cacau por tê-la feito beber a porcaria. O Cacau saiu andando, indiferente.
Depois de alguns minutos a confusão seria desfeita. Na sala de visita, em cima da mesinha de centro, o pequeno vaso de flores estava deitado, vazio, com as flores ao lado.
Não era a água mais limpa do mundo, considerando que se passavam dias até um reabastecimento. Limpeza mesmo, pra valer, só perto do Natal. Aquelas larvinhas que se dobram e desdobram para nadar também não haviam sido descartadas. Agora, qualquer um há de convir que é melhor essa água do que a do outro vaso, por mais limpo e desinfetado que pudesse estar.
Bah. Memórias sempre vem vidas! Maravilha!
Parabéns Boy.
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Chorei de rir e de chorar mesmo! Muito legal, e muito bem escrito! ❤️
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Que bom, Tata! Tenho várias histórias que vou postando aqui de vez em quando. Um dia junto tudo pra publicar em livro.
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Não pode, sério que deu um “golaço” na água do vaso de plantas? kkk. Me lembrou de um teatrinho que fizemos ali embaixo da casa da dona Regina. Para a platéi servimos suco em uma jarra, que no fundo dela tinha uma meia.
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